Tive sérios problemas no passado em relação ao uso e abuso de drogas. Na
verdade, para ser sincero, tinha sérios problemas em todos os níveis e
aspectos da minha existência: físico, mental e espiritual, familiar,
profissional e social, sobretudo de ordem emocional. Era muito teimoso,
orgulhoso e prepotente, além de só ouvir a mim mesmo, queria sempre
fazer as coisas do meu jeito. Tinha uma grande mania de controle, um
desejo absurdo de agradar todas as pessoas (fórmula perfeita do
fracasso) e de rejeitar tudo que pudesse me despertar para a realidade.
Não tinha mente aberta para receber e pedir ajuda, acreditava somente
nas minhas ideias, crenças e opiniões. Infelizmente, tive que colecionar
várias perdas para poder compreender que precisava mudar meu
comportamento e adotar um novo estilo de vida. Durante vários anos,
passei acreditando, que o problema do mundo era o Estado, o Governo e a
Sociedade. Passei projetando minhas expectativas, desejos e frustrações
nos outros, como se todos fossem responsáveis pelo meu fracasso e pela
minha derrota. Hoje, um pouco mais lúcido e sóbrio, percebo que o maior
problema na minha vida sou eu mesmo. Posso ser meu maior amigo ou
inimigo, depende da minha mente estar aberta ou fechada. Posso aceitar
ou não o conselho ou crítica de alguém a respeito da minha vida. Depende
de mim, aceitar ou mudar a realidade. Não sou responsável pela minha
doença, (dependência química) mas sou responsável pela minha
recuperação. Uma das coisas mais incríveis e difíceis de aceitar, foi
reconhecer, de uma forma verdadeira e honesta, que nunca tive problemas
com as drogas, e sim com a droga do meu comportamento. Eu não tropeço
numa pedra do tamanho do elefante, estas geralmente eu vejo, de longe
inclusive, caio nas pequenas. Uma toalha que deixei em cima da cama, uma
louça e roupa que não lavei, um chão que não varri, uma casa que não
arrumei, um café e almoço que não preparei, enfim, são essas coisas que
nos preenchem e nos fazem sentir, verdadeiros humanos: o cuidar de si.
Sou portador de uma doença progressiva, incurável e de determinação
fatal. Agradeço todos os dias ao Criador por ter usado e abusado do
crack, pois sem ele, com certeza estaria bebendo uma cervejinha, fumando
um baseadinho e cheirando uma carreirinha. Só por hoje não quero usar
nunca mais. Minha vida foi roubada e lesada pelo uso abusivo de certas
substâncias, comparou perdeu. Mas vou ser bem sincero. Muita das
vezes, percebo que as pessoas acham, que parei de usar, por não ter
condições psíquicas, por não saber usar, por exagerar na dose, por ter
chegado no fundo do poço, mas o verdadeiro motivo foi o seguinte.
Numa terça feira, a noite, depois de cinco meses internado, dentro de
uma clínica de recuperação, um terapeuta me chamou no canto e disse o
seguinte: "Gino, olha pro lado." Eu olhei e vi dezoito pessoas, assim como
eu, buscando recuperação. Ele disse pra mim que somente um iria ficar
limpo. No momento senti muita raiva, fiquei com ódio daquilo. Putz, cara otário, babaca, estamos
aqui, internados de forma voluntária, buscando com honestidade e ele vem
jogar água fria na nossa recuperação. Diante da minha reação, ele
disse: "Gino meu querido, logo você, uma pessoa inteligente, formado em
filosofia, professor, servidor público federal, passou por sete cidades e
com certeza conhece muita gente (ele possuía minha ficha completa).
Pensa no seguinte: quantas pessoas você conhece no uso?" Eu respondi,
umas cinco mil. Ele emendou outra: "e quantas você conhece que pararam de usar?". Nesta hora, só me recordei de duas pessoas. Fui para o quarto, tranquei a porta, apaguei a luz, fiquei sozinho
comigo mesmo e ali naquele instante eu tive um profundo despertar
espiritual. Percebi que tinha caído nas garras de uma doença terrível,
que mata desmoralizando, muita das vezes sorrindo e brindando. Entrar é
relativamente fácil, sair é extremamente difícil. Eu posso me enganar,
achar que não pega nada, que posso usar mais uma dose, mas no fundo eu
sei, que para mim, uma dose de qualquer substância é muito e mil não
bastam. Não tenho limites. Por outro lado, não quero ser refém de algo
que não posso ter o controle. E eu me questiono, até hoje, alguém tem?
Estamos lidando com um poder altamente destrutivo. Enquanto eu estou
dormindo, minha doença está do lado da minha cama fazendo flexão,
esperando eu acordar. Me conhece de todos os lados, ângulos e
perspectivas. Sabe das minhas fraquezas, mazelas e limitações, vícios, defeitos e vontades.
Preciso estar sempre vigilante, vivendo um dia de cada vez. Primeiro
tive que querer, e querer muito. Segundo tive que pedir ajuda, primeiro a
Deus, segundo ao meu pai, terceiro ao Levanta de Novo. Depois de
querer e pedir ajuda tive que admitir que era impotente perante o uso.
Percebo que admitia, mas não queria aceitar. Muitos acham que eu queria
parar assim, de boa. Até parece. Queria parar de usar crack e cocaína,
mas continuar fumando maconha. Queria parar de tomar cachaça e continuar
bebendo cerveja. Admitir é uma coisa, aceitar é outra. Depois da
admissão, tive que trabalhar a aceitação, para logo em seguida, me
render, retirar todos os mecanismos de defesa e me ver de frente. Depois
agir. Vim acreditar que um Poder Superior pudesse me devolver a
sanidade, pois naquela altura, já tinha perdido o controle. Enfim,
partilho um pouco com vocês da minha experiência enquanto adicto em
recuperação. Só posso falar de mim. O que desejo para mim, desejo para todas, que são serenas 24 horas.
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