Latentes Viagens

Este espaço é um experimento aberto, amplo, intuitivo e original. Liberto das amarras acadêmicas, sistêmicas e conceituais, sua atmosfera é rarefeita de ideias e ideais. Sua matéria prima é a vida, com seus problemas, desafios e dilemas. Toda angústia relacionada ao existir encontra aqui seu eco e referencial. BOA VIAGEM!

Tive sérios problemas no passado em relação ao uso e abuso de drogas. Na verdade, para ser sincero, tinha sérios problemas em todos os níveis e aspectos da minha existência: físico, mental e espiritual, familiar, profissional e social, sobretudo de ordem emocional.  Era muito teimoso, orgulhoso e prepotente, além de só ouvir a mim mesmo, queria sempre fazer as coisas do meu jeito. Tinha uma grande mania de controle, um desejo absurdo de agradar todas as pessoas (fórmula perfeita do fracasso) e de rejeitar tudo que pudesse me despertar para a realidade. Não tinha mente aberta para receber e pedir ajuda, acreditava somente nas minhas ideias, crenças e opiniões. Infelizmente, tive que colecionar várias perdas para poder compreender que precisava mudar meu comportamento e adotar um novo estilo de vida. Durante vários anos, passei acreditando, que o problema do mundo era o Estado, o Governo e a Sociedade. Passei projetando minhas expectativas, desejos e frustrações nos outros, como se todos fossem responsáveis pelo meu fracasso e pela minha derrota.  Hoje, um pouco mais lúcido e sóbrio, percebo que o maior problema na minha vida sou eu mesmo. Posso ser meu maior amigo ou inimigo, depende da minha mente estar aberta ou fechada. Posso aceitar ou não o conselho ou crítica de alguém a respeito da minha vida. Depende de mim, aceitar ou mudar a realidade. Não sou responsável pela minha doença, (dependência química) mas sou responsável pela minha recuperação. Uma das coisas mais incríveis e difíceis de aceitar, foi reconhecer, de uma forma verdadeira e honesta, que nunca tive problemas com as drogas, e sim com a droga do meu comportamento. Eu não tropeço numa pedra do tamanho do elefante, estas geralmente eu vejo, de longe inclusive, caio nas pequenas. Uma toalha que deixei em cima da cama, uma louça e roupa que não lavei, um chão que não varri, uma casa que não arrumei, um café e almoço que não preparei, enfim,  são essas coisas que nos preenchem e nos fazem sentir, verdadeiros humanos: o cuidar de si. Sou portador de uma doença progressiva, incurável e de determinação fatal. Agradeço todos os dias ao Criador por ter usado e abusado do crack, pois sem ele, com certeza estaria bebendo uma cervejinha, fumando um baseadinho e cheirando uma carreirinha. Só por hoje não quero usar nunca mais. Minha vida foi roubada e lesada pelo uso abusivo de certas substâncias, comparou perdeu. Mas vou ser bem sincero. Muita das vezes, percebo que as pessoas acham, que parei de usar, por não ter condições psíquicas, por não saber usar, por exagerar na dose, por ter chegado no fundo do poço, mas o verdadeiro motivo foi o seguinte. Numa terça feira, a noite, depois de cinco meses internado, dentro de uma clínica de recuperação, um terapeuta me chamou no canto e disse o seguinte: "Gino, olha pro lado." Eu olhei e vi dezoito pessoas, assim como eu, buscando recuperação. Ele disse pra mim que somente um iria ficar limpo. No momento senti muita raiva, fiquei com ódio daquilo. Putz, cara otário, babaca, estamos aqui, internados de forma voluntária, buscando com honestidade e ele vem jogar água fria na nossa recuperação. Diante da minha reação, ele disse: "Gino meu querido, logo você, uma pessoa inteligente, formado em filosofia, professor, servidor público federal, passou por sete cidades e com certeza conhece muita gente (ele possuía minha ficha completa). Pensa no seguinte: quantas pessoas você conhece no uso?" Eu respondi, umas cinco mil. Ele emendou outra: "e quantas você conhece que pararam de usar?". Nesta hora, só me recordei de duas pessoas. Fui para o quarto, tranquei a porta, apaguei a luz, fiquei sozinho comigo mesmo e ali naquele instante eu tive um profundo despertar espiritual. Percebi que tinha caído nas garras de uma doença terrível, que mata desmoralizando, muita das vezes sorrindo e brindando. Entrar é relativamente fácil, sair é extremamente difícil. Eu posso me enganar, achar que não pega nada, que posso usar mais uma dose, mas no fundo eu sei, que para mim, uma dose de qualquer substância é muito e mil não bastam. Não tenho limites. Por outro lado, não quero ser refém de algo que não posso ter o controle. E eu me questiono, até hoje, alguém tem? Estamos lidando com um poder altamente destrutivo. Enquanto eu estou dormindo, minha doença está do lado da minha cama fazendo flexão, esperando eu acordar. Me conhece de todos os lados, ângulos e perspectivas. Sabe das minhas fraquezas, mazelas e limitações, vícios, defeitos e vontades. Preciso estar sempre vigilante, vivendo um dia de cada vez. Primeiro tive que querer, e querer muito. Segundo tive que pedir ajuda, primeiro a Deus, segundo ao meu pai, terceiro ao Levanta de Novo.  Depois de querer e pedir ajuda tive que admitir que era impotente perante o uso. Percebo que admitia, mas não queria aceitar. Muitos acham que eu queria parar assim, de boa. Até parece. Queria parar de usar crack e cocaína, mas continuar fumando maconha. Queria parar de tomar cachaça e continuar bebendo cerveja. Admitir é uma coisa, aceitar é outra. Depois da admissão, tive que trabalhar a aceitação, para logo em seguida, me render, retirar todos os mecanismos de defesa e me ver de frente. Depois agir. Vim acreditar que um Poder Superior pudesse me devolver a sanidade, pois naquela altura, já tinha perdido o controle. Enfim, partilho um pouco com vocês da minha experiência enquanto adicto em recuperação. Só posso falar de mim. O que desejo para mim, desejo para todas, que são serenas 24 horas.

0 comentários:

Total de visualizações de página

GINO RIBAS MENEGHITTI

Admiro todas as pessoas que ousam pensar por si mesmas.

Blog Archive

Posts mais Lidos e Visualizados

Frases de Albert Einstein

A mente que se abre a uma nova idéia jamais voltará ao seu tamanho original.

O único lugar onde o sucesso vem antes do trabalho é no dicionário.

A imaginação é mais importante que o conhecimento.

Se A é o sucesso, então A é igual a X mais Y mais Z. O trabalho é X; Y é o lazer; e Z é manter a boca fechada.

Páginas

Translate