Latentes Viagens

Este espaço é um experimento aberto, amplo, intuitivo e original. Liberto das amarras acadêmicas, sistêmicas e conceituais, sua atmosfera é rarefeita de ideias e ideais. Sua matéria prima é a vida, com seus problemas, desafios e dilemas. Toda angústia relacionada ao existir encontra aqui seu eco e referencial. BOA VIAGEM!



A dependência química é uma doença progressiva, incurável e de determinação fatal que afeta o corpo, a mente e o espírito do usuário atingindo todas as áreas da sua vida: social, familiar e profissional, interferindo nas relações consigo, com o outro e com Deus. Apesar da complexidade do assunto, tentarei resumir e apresentar os principais aspectos e sintomas da doença. 

O caráter progressivo da doença pode ser facilmente identificado no gradativo aumento do uso e da dosagem. O dependente químico, à medida que se aprofunda no uso de drogas, apresenta uma grande tolerância aos seus efeitos, o que o leva a usar doses cada vez mais elevadas para poder obter o mesmo efeito inicial. O perigo e risco de uma overdose é real e sempre se faz presente. O uso, assim como o próprio dependente, pode ser comparado a uma bomba relógio, com a desvantagem de todos ignorarem a hora e o momento que a mesma irá explodir.   

É uma doença incurável, porém tratável e pode ser controlada assim como a diabetes. Os tratamentos, assim como os motivos que levam as pessoas a interromper o uso são inúmeros, e variam de indivíduo para indivíduo. Muitos pararam ao conhecer o amor de sua vida, ao adentrarem um templo religioso, ao se consultarem com psicólogos e psiquiatras ou simplesmente por perceberem que algo não estava “certo” em suas vidas.  A maioria, porém, só realiza o pedido de ajuda quando atinge o fundo do poço.   

É uma doença de determinação fatal, isto é, seu uso contínuo, ininterrupto e prolongado pode ocasionar a morte. Além da overdose, temos acidentes de trânsito, envolvimento com traficantes e policiais, roubos e assaltos, brigas e discussões, delírios e surtos, rompantes e paranoias que levam o usuário a cometer os mais diversos tipos de atos e violência, contra si e o outro. É comum, nos recintos destinados ao tratamento dos usuários (grupos e comunidades terapêuticas) a seguinte afirmação: só existem três destinos para o dependente químico na ativa, os famosos “3 c”: clínica, cadeia e cemitério. 

O aspecto físico da doença é a compulsão, uma vez que se tenha iniciado o uso, o indivíduo apresenta dificuldades em parar. Isso acarreta um inevitável e visível desgaste físico: perda considerável de peso, presença de olheiras e mau funcionamento dos órgãos, desde o sistema circulatório ao respiratório; do nervoso ao digestivo. Todos os órgãos são afetados, a médio e longo prazo, apresentando lesões e danos irreversíveis, como no caso do cérebro e dos neurônios. Pode-se afirmar, com plena convicção, que o corpo do usuário é alterado de forma profunda e permanente: mesmo depois de ter interrompido o uso, as sequelas serão sentidas e mantidas pelo resto da vida. 

O aspecto mental da doença é a obsessão, o intenso desejo de usar. Os pensamentos, assim como a vida, estão voltados para o uso, para os meios e formas de obter a todo custo a primeira dose de sua droga de preferência. Pensamento gera sentimento que gera ação. É necessário mudar a matriz mental, fazendo com que o usuário se conscientize, além da sua doença, da importância de sua reforma íntima e moral. 

Para isso, faz-se urgente a adoção de três princípios espirituais básicos: mente aberta, boa vontade e honestidade. Mente aberta para poder apreender os princípios básicos da recuperação, pois sabemos que é impossível enxertar uma ideia nova numa mente fechada. Boa vontade para aplicar os princípios apreendidos em todas as áreas de sua vida. E o principal, honestidade para poder falar de si mesmo sem restrição, reconhecendo sentimentos, nomeando emoções e se confrontando quando necessário. Somente através do autoconhecimento o dependente irá se avizinhar da sabedoria e da maturidade. 

O aspecto espiritual da doença, ao contrário do que muitos místicos, exotéricos e religiosos poderiam supor, não está ligado ao lado oculto e invisível da existência, mas diretamente relacionado aos hábitos mantidos durante sua vida, as pessoas e lugares de sua convivência. É necessário que o dependente evite e se afaste de pessoas, hábitos e lugares, caso queira se manter firme em seu propósito e decisão de interromper o uso e permanecer limpo.   

Para finalizar, gostaria de convidar todos os lopoldinenses para conhecer o Grupo Levanta de Novo, que apoia e auxilia os dependentes químicos e seus familiares. Localizado na rua do Sapo, Bairro Quinta Residência, o grupo oferece reuniões fechadas (somente para dependentes) aos sábados e segundas, e abertas para o público na quinta, todas às sete e meia da noite. 

Não existe melhor remédio para um adicto do que o próprio adicto em recuperação. A busca por um grupo de mútua ajuda é um dos tratamentos mais eficazes e seguros no controle da dependência, sendo a frequência regular e contínua o melhor antídoto contra o risco de quedas e recaídas. Fica o convite!

 Para quem está de fora, não passa de um conjunto amorfo e indistinto de mendigos e maltrapilhos, doentes e viciados, reunidos no único intuito de usar e abusar, de forma consciente e coletiva, de uma substância psicoativa: o crack. Ledo engano. A cracolândia, assim como a drogadição, além de revelar o drama de milhares de pessoas, expõe em plena luz do dia, a céu aberto, as feridas e mazelas de uma sociedade doente e carente, tanto de valores como de afetos. 

Os usuários enfileirados acendem seu cachimbo e, com ele, a esperança de encontrarem um novo mundo, uma nova ordem, um novo dia. Diante dos holofotes, os políticos juram estar preocupados com o bem estar físico e mental dos usuários. Garantem que irão fazer distinção entre usuários e traficantes, e que os dependentes irão receber tratamento digno e humano.

As imagens revelam o contrário.  O Estado não interveio com médicos, enfermeiros e terapeutas, e os veículos utilizados não foram ambulâncias. O que se viu foi a ação de uma polícia truculenta, violenta e despreparada. Sob uma chuva de balas de borracha e bombas de efeito moral, o grande aglomerado de farrapos humanos foi duramente reprimido e dispersado. Entre cassetetes, coturnos e escudos, os usuários evadiam-se espavoridos, abandonando seus parcos pertences e, mais uma vez, deixando para trás o essencial:  sua própria humanidade. 

O problema é complexo e de difícil solução. Seria muita ingenuidade pensar que somente amor e boa vontade seriam suficientes para acabar com o "fluxo" e convencer os usuários a abandonar as ruas e ter outra vida. A internação compulsória aparece como medida urgente, extrema e realmente necessária. É uma bela tentativa de se fazer algo por alguém que se mostra incapaz de fazer por si mesmo. Apesar de muitos negarem e não aceitarem o tratamento, vários querem e pensam em parar, porém poucos de fato conseguem.

Para quem atingiu o fundo de poço nestas condições é realmente muito difícil visualizar a luz no fim do túnel. Abandonaram e foram abandonados, primeiro por si mesmos, depois pela família e pela sociedade. A pior perda ocasionada pelo crack é a das escolhas. O indivíduo perde a capacidade de decisão, de ir ou não por aquele caminho e direção. Para quem nunca vivenciou na pele o drama da dependência pode parecer difícil ou até mesmo impossível aceitar e concordar com este tipo de afirmação, mas posso garantir: é o que acontece.   
 
É a parte doente mais visível da sociedade. É a ala dos loucos e desvalidos, dos excluídos e marginalizados, que com suas próprias mãos cavaram sua ruína e seu poço. São sim, responsáveis pela escuridão em que hoje se encontram, mas nestes casos de extremo desacerto e penúria, qualquer juízo emitido com o único propósito de julgar e condenar, em nada ajuda, apenas rotula e segrega.

Assim como a recuperação não acontece de um dia para o outro, seria muita ignorância, para não dizer tolice e bobagem, acreditar que o fim da cracolândia se desse de forma rápida e eficaz. O imediatismo que move as massas ainda irá nos levar de encontro as mais ridículas e bizarras ações. Curioso notar que este comportamento é diariamente alimentado por muitos políticos e jornalistas, que sobrevivem à custa da desgraça e sofrimento alheio.

O ideal seria fazer um levantamento de todas as pessoas envolvidas e ligadas diretamente a esta realidade. Uma coisa seria contar com a ajuda e auxílio da polícia militar; outra, fazer da mesma, o pivô do processo de “limpeza”. Além da discussão da legalização ou não das drogas, uma coisa é certa: passamos da hora de descriminalizá-la. Enquanto a cracolândia for vista e tratada como assunto de polícia, infelizmente nada será feito ou realizado em benefício do usuário.

Apesar das dificuldades e empecilhos encontrados, como preconceito e desinformação, é necessário aprofundarmos nosso olhar para enxergarmos um aglomerado de pessoas doentes e necessitadas de apoio e atenção. Reféns de uma vida insana e disfuncional, ninguém se encontra ali por que quer e gosta, além dos traficantes, é claro, que lucram com o vício e desespero de milhares. 

Verdade seja dita: o problema é amplo, e vai além da oferta ou não do tratamento e da aceitação ou não do usuário. Muitos não tem nada além da roupa do corpo, um chinelo e cobertor. Não quero pintar um quadro com as trágicas cores do vitimismo e da auto piedade, mas recomeçar do zero é um grande desafio. 

Para quem não perdeu as referências familiares, é difícil, mas para quem não tem com quem contar, é quase impossível. Como convencer a pessoa a interromper o uso se o seu retorno à rua, na miséria, é inevitável? Acreditamos mesmo na hipótese dos mendigos limpos e saudáveis, desejando ardentemente viver nestas condições?  Querer é poder, desde que o morador de rua, o viciado e o excluído, não seja eu, nem você.


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GINO RIBAS MENEGHITTI

Admiro todas as pessoas que ousam pensar por si mesmas.

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