Durante anos estive envolvido no submundo das drogas. Experimentei várias substâncias que me propiciaram estados de extâse, relaxamento, angústia e depressão. A felicidade ilusória contida nos comprimidos, nos pós aspirados em demasia, nas sedas apertadas em excesso, nas garrafas aglutinadas na mesa de um bar qualquer, nos não sei quantos mil cigarros apagados no cinzeiro da existência reflete, tão somente, a necessidade que todos temos de buscar fora de si mesmo as respostas relativas às questões existenciais.
Mergulhei de cabeça neste mundo fascinante, mágico e avassalador. As drogas voláteis sempre foram as minhas preferidas... o mundo visto sob a tonalidade vibrante de suas cores inumeráveis, a pupila dilatada, a boca que se cala, o pensamento que divaga e o corpo que se transforma em pura sensação... as portas da percepção se abrem e um novo mundo se descortina, o mistério da existência visto por um buraco na fechadura, nem que seja por minutos, segundos ou milésimos... por um instante gozar da compania dos anjos e demônios que nos cercam.
Neste intérim me envolvi com todo tipo de gente, desde a classe A até a classe Z, do intelectual ao mendigo na praça com sua meiota de cachaça catando bitucas para fazer um cigarro. Já comi com talhares de ouro, já bebi em copos de lata, as aparências sociais nunca me serviram como referência na escolha de minhas amizades. Não participo de tribos, minto, participo de todas, estou com meus amigos punks idealizando algum manifesto, em algum baile funk dançando até o chão, sentado em uma mesa repleta de homossexuais, transitando pelas ruas com a malucada da cidade, com os traficantes dos morros, com o grupo de jovem, com os hippies subversivos relatando suas peripécias, com os poetas sublimando algum ideal, com o grupo de ajuda mútua, com os playboys e sua ideologia, estou assistindo big brother com minha namorada, mandando uma rima improvisada no bar do gilmar, assistindo a uma partida de futebol no maneira mineira, na lan house jogando xadrez, na biblioteca lendo um livro de poesia, na internet explorando seus recursos e repensando a teoria shopenhauriana sobre a vontade, ansiando por um mundo novo e justo onde todo tipo de sacanagem seja excluída de nosso meio, exceto a sexual.
Amo a diversidade e aprecio a singularidade de cada pessoa, de cada lugar e situação. Penso as questões universais de forma intuitiva, ampla e aberta... Cada ser encerra em si mesmo uma variedade infinita de poderes e possibilidades... Tudo depende da abertura de nossa consciência e do amor contido em nossos corações.
No entanto, por muito tempo acreditei, que somente através de substâncias psicoativas poderia contemplar e conhecer de fato a "verdade". Sempre tentei usar a droga como um meio e não como um fim, mas isto nem sempre é possível, pois em alguma parte do processo, que não saberia precisar, ela também começa a reinvindicar seu espaço e a interferir em nossos processos cognitivos, mentais, logo sensoriais. A memória é gravemente lesada, a coordenação motora sofre os efeitos imediatos logo após a ingestão, o cérebro não raciocina com a mesma eficácia e rapidez, sem falar nos prejuízos do pulmão, coração, fígado, rins, estômago... O corpo físico se ressente, o espiritual na mesma medida em que se amplia se enfraquece, e o círculo de amizades já não é mais o mesmo...
Por muitos anos perambulei por lugares a esmo, escadarias imensas, morros, becos e vielas em busca de algo que pudesse me proporcionar um alívio imediato. O dinheiro gasto era o de menos, o que mais importava naquele momento era o prazer a qualquer preço. Remédio, anfetaminas, cocaína, cola, crack e conhaque, um coquetel suicida que se pudesse ser reduzido à um único comprimido e o mesmo fosse diluído em algum rio africano, dizimaria uma porcentagem considerável de hipopótamos e rinocerontes que habitam parte de sua admirável savana.
Neste contexto, não é difícil imaginar a série de conflitos gerados por este modo de vida. Entre eles destaco, sem duvída, o conflito policial. Poderia citar os relacionamentos que não vingaram, os amigos que se distanciaram, a família que se desestruturou, mas não, prefiro fazer este recorte e deflagrar o meio e o modo como o Estado lida com esta situação que perpassa muito mais pelo âmbito da saúde do que propriamente pelo judicial.
Quantas vezes não fui abordado de forma desumana por policiais despreparados que não possuíam a mínima formação necessária para poderem desempenhar um papel que requer um equilíbrio psicológico e um profundo conhecimento das relações humanas. Se formos pensar, um pouco que seja, no porquê de sermos abordados, na melhor das hipóteses, deveríamos pensar que os policiais estão, de fato, preocupados com nossa saúde e com nosso bem estar. Mas ao contrário do que prega a constituição, os "porcos fardados", quando não se utilizam de sua força física armada, muitas das vezes aproveitam de seu poder para humilharem aqueles que são vítimas de seu orgulho imbecil e autoritário. Quantos homens afirmam a sua masculinidade através do uso da farda? No ato da abordagem se sentem verdadeiros deuses encarnados na figura triste e medíocre de seus personagens. O policial também é um ator que se insere na sociedade mediante a teatralidade e o uso de artifícios cênicos. Podemos não ser a favor da legalização mas podemos pensar a respeito da discriminalização. Seria um passo decisivo no resgaste de nossa "humanidade".