Latentes Viagens

Este espaço é um experimento aberto, amplo, intuitivo e original. Liberto das amarras acadêmicas, sistêmicas e conceituais, sua atmosfera é rarefeita de ideias e ideais. Sua matéria prima é a vida, com seus problemas, desafios e dilemas. Toda angústia relacionada ao existir encontra aqui seu eco e referencial. BOA VIAGEM!

 
Quando adolescente, tinha prometido a mim mesmo, que nunca iria ousar pronunciar aquela velha frase diariamente repetida pelos nossos avôs: "antigamente era melhor" mas, infelizmente não consegui sair do lugar comum e hoje faço coro: no meu tempo era diferente. A indústria do entretenimento foi a grande responsável pela ruptura social e familiar existente no seio sociedade. Não é preciso ser nenhum expert para perceber que a simples presença do aparelho de TV em nossa casa provocou drásticas mudanças comportamentais. Imaginemos por um segundo a vida antes da televisão: os pais chegavam em casa e buscavam saber sobre a vida dos filhos e da esposa, pois isto lhe servia como entretenimento e distração dos seus próprios problemas; a cozinha era o lugar da família, com a TV passou a ser a sala; pais e filhos ainda ocupam o mesmo espaço; existia uma hierarquia definida sobre a escolha dos canais e a programação, geralmente a criança assistia aos desenhos nos momentos em que os pais estavam ausente; o homem assistia ao jornal e ao futebol e a mulher assistia novela, este modelo se repetiu entre várias gerações, no entanto, a facilidade de crédito,  o aumento da produção em série e o barateamento das novas tecnologias fez com que grande parte das pessoas tivessem acesso a um grande número de componentes eletrônicos. A família que antes era uma célula se dividiu em várias e hoje cada membro possui sua própria TV, computador, rádio e celular, para só citar os de uso mais comum. Cada qual possui um cômodo e reproduz no interior da própria família o comportamento individualista que irá reger a vida "lá fora". E assim passamos a reproduzir e alimentar todos os valores que conscientemente criticamos e atacamos: o excesso de individualismo, egoísmo e isolamento social. Ninguém em sã consciência ousaria defender este tipo de comportamento entre os membros da própria família. Por mais que a privacidade seja um dos principais elementos na construção de nossa identidade, pois acelera positivamente o principio de individuação, a partilha e o interesse pela vida do outro ocupava um lugar de destaque  tanto nas relações familiares como nas relações sociais. Hoje a arte do diálogo e do desvelamento de si mesmo está sendo paulatinamente substituída pela interação virtual, a presença que poderia ser sentida pela percepção direta de um simples olhar ou gesto está cedendo lugar a um  tipo diferente de relação. Não saberia pontuar os aspectos positivos e negativos desta forma de contato sem o peso de um determinado tipo de preconceito pois sou de uma geração que ainda era possível contemplar crianças subindo em árvores, brincando livremente pelas ruas, senhores sentados no meio fio contando "causos" relatos e experiências, desde simples piadas até as suas próprias vivências. A imaginação era exercitada na criação de histórias e fantasias, heróis imaginários habitavam nossas mentes,  em um segundo poderia surgir uma nova brincadeira, etc. Não seria capaz de afirmar de forma ingênua e descabida que as crianças de hoje estão destituídas do poder e da capacidade para tanto mas é inegável que o processo se dá por outros meios e formas. Por mais interessante e esclarecedor que pudesse ser a tentativa de compreender os processos pedagógicos de aprendizado, desenvolvimento cognitivo e relacionamentos interpessoais da criança, ainda assim estaria reduzido ao meu ponto de vista pessoal e particular, dificilmente teríamos acesso a um conjunto de experiências homogêneas que pudesse servir de referencial para uma pesquisa realizada com números e estatísticas fixas e imutáveis que  que nos servissem de molde e parâmetro  para o entendimento das gerações passadas, presentes e futuras. Hoje vivenciamos planos superpostos, e ao mesmo tempo que podemos contemplar crianças multifuncionais, que possuem o desenvolvimento de várias habilidades em si mesmas por outro podemos observar crianças que não possuem nenhum tipo de acesso ou estimulo externo para o despertar de seu potencial latente e criativo. Claro que certas ressalvas podem e devem ser feitas pois é impossível ignorar que antes do advento de determinadas tecnologias e do crescente sentimento de medo e insegurança despertado pela presença constante da violência e do aumento do consumo de drogas pesadas, entre elas o crack, as crianças brincavam entre si nas ruas e lugares públicos, eram responsáveis por legislar, executar e judiciar, ou seja, exercitavam desde cedo o conceito de cidadania sem a interferência de algum órgão fiscalizador externo pois criavam as próprias leis e regras de cada brincadeira. Todas eram executadas mediante o estabelecimento de um "consenso comum" e todos eram punidos de forma igual. O principio de isonomia era imanente, para dar um simples exemplo, podemos citar o pique esconde: imagine meia dúzia de crianças correndo desesperadas procurando o melhor lugar para se esconder, no inicio do pique foi tirado o famoso "zerinho ou um", os dois últimos tiravam no par ou ímpar, o que perdesse ficaria imbuído pela função de procurar. As regras eram bem simples: o que pegasse deveria virar o rosto para a parede, poste ou árvore e contar em voz alta até o número 40 por exemplo, depois disso poderia ir a procura dos demais. Para se salvar as crianças escondidas deveriam correr em direção ao lugar em que o pega era "batido" e gritar o nome assim ele estaria salvo. A medida que ia encontrando as crianças o mesmo ia correndo ao lugar de batida e dizia o nome do coleguinha. O último ou primeiro a ser achado estaria sendo responsável pelo pique, ou seja, temos neste pequeno exemplo, em termos práticos, as atividades que legislam, executam e judiciam. Não é preciso ir muito longe para afirmar de forma categórica que está prática estimula e ajuda a criança a desenvolver o senso de responsabilidade e justiça, de ganho e de perda e claro, aumento considerável de inteligência emocional no contato interpessoal. É lamentável perceber que as crianças estão sendo educadas para terem uma vida individual e isolada, com parâmetros, metas e objetivos bem definidos, numa sociedade que prima pelo sucesso e pela conquista de bens materiais acima dos bens éticos e morais dificilmente irá refletir seriamente sobre os ganhos e perdas de uma infância com menos tecnologia e mais liberdade individual a criança. Acredito que no futuro o próprio termo infância deverá ser pensado e discutido em outros termos e não naqueles que um dia tivemos a oportunidade de vivenciarmos. 

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GINO RIBAS MENEGHITTI

Admiro todas as pessoas que ousam pensar por si mesmas.

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Frases de Albert Einstein

A mente que se abre a uma nova idéia jamais voltará ao seu tamanho original.

O único lugar onde o sucesso vem antes do trabalho é no dicionário.

A imaginação é mais importante que o conhecimento.

Se A é o sucesso, então A é igual a X mais Y mais Z. O trabalho é X; Y é o lazer; e Z é manter a boca fechada.

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