Os dias passam e a vida, sorrateira, segue seu fluxo irrefreável. Por quantas vezes, as horas parecem nos empurrar
para um espaço sem luz e vazio. Nestes dias, em que acordo sob os acordes pessimistas da rotina,
com vontade de desistir e entregar os pontos, costumo questionar
seriamente o sentido da vida e confesso que me surpreendo com as
respostas. Diante das limitações impostas pela minha ignorância e pela
minha pequenez resta esperar a vinda de dias melhores e mais salutares.
Viver é bom, solidão que nada, já diria o poeta Cazuza. Triste é
constatar que estes dias tendem a ocorrer com mais frequência na vida de
uns do que na de outros. Mas o que eu tenho a ver com a vida de uns e
outros, tudo por sinal, a não ser que opte por ser uma pessoa
absolutamente indiferente a dor e sofrimento alheio. Nada melhor do que
pensar nas contas para pagar e levantar sem murmurar, fazendo o que
tenho que fazer e não aquilo que eu quero, a vida é o que é e não do
jeito que eu gostaria que fosse, o segredo está na realização das minhas
necessidades e não das minhas vontades. Também gosto de lembrar que
milhares de pessoas dariam tudo para acordarem e terem um emprego. Só
olhando para trás para poder desvencilhar de certos sentimentos. E como é
ruim falar ou desabafar sobre a tristeza, parece que as pessoas não
resistem a tentação de dar um conselho, e com isso, perdem o meu
respeito. O que menos quero nesta hora é ouvir qualquer tipo de
indicação segura contra o mal estar, que me afigura irremediável no
momento, mas no fundo, devido ao tempo e a idade, sabemos que nunca o é,
eis uma das maiores vantagens de envelhecer: a maturidade, e com ela, a maioria dos jovens nem sequer ousa sonhar, não conseguem visualizá-la
nem de longe. Só queremos ser ouvidos. Muita das vezes necessito da
atenção que sou incapaz de ceder aos outros. A vida é sobretudo instável
e inconstante, não existe nenhum tipo de contrato que me forneça as devidas
garantias sobre o dia de amanhã. Querer que a vida seja o que ela não é,
estável e segura, é o que nos aprisiona numa sucessão de rotineiros dias
sem fim. Mas a rotina é um ótimo remédio contra a insanidade pois ela nos
protege, sem dúvida, sobretudo de nós mesmos. Nos fornece a falsa sensação de
que estamos minimamente no controle, e que de alguma forma, a mudança
depende de nós. Temos uma necessidade muito forte de estarmos no
controle de tudo e se possível, ter o controle de todos, e isto, de
certa forma, é o que está acontecendo com o mundo: um numero reduzido de
pessoas, não satisfeitas com sua vida bem aquinhoada, como se não
bastasse deter 80% de toda renda mundial, ainda querem o controle sobre
nossas vidas e mentes, hábitos e costumes, pensamentos e sentimentos e
para isso, utilizam-se de todo tipo de estratégias e artifícios.
Estímulos são projetados e reiterados, repetidas vezes, numa cega sucessão de
propagandas sem fim, alardeiam a felicidade como algo palpável,
coisificam sensações e principalmente pessoas, tudo se torna rentável e comercializado,
e a finalidade é apenas uma: aumento do consumo, logo, do lucro. Longe de mim, defender qualquer
tipo de ideal politicamente correto, pelo amor de Deus, nada contra as
pessoas possuírem seu objeto de desejo, mas defender este estilo de vida
como único possível ou com ares de ser uma verdade absoluta e universal é
lastimável. A singularidade e unicidade de cada indivíduo se dá mediante
a afirmação de sua vida no mundo. Uma das coisas mais interessantes
deste planeta é a diversidade de línguas, países e culturas, porque
reduzir tudo a UM? Uma única língua deve ser estudada e propagada como a
língua universal de todos os povos; um único regime político, econômico
e social deve ser implantado mediante o uso da força e da presença
militar, para impedir que terroristas e ditadores autoritários se
perpetuem ilegitimamente no poder; a democracia deve ser defendida e
disseminada como único regime capaz de gerir a relação entre os povos, e
assim marcharmos, cegos em relação ao futuro que pode ser contemplado
em cada esquina, no centro comercial de toda e qualquer metrópole na
solene figura de Ronald Mc Donald. A coca cola elevada a bebida cósmica
universal, o dólar como moeda corrente do universo, e o padrão de vida
americano como o sonho de todo e qualquer cidadão decente. Uma vida sem
música e sem poesia, deveras marcada pela técnica e pela
competitividade, promovendo um individualismo e um nível de stress sem
precedentes. A ansiedade, frente aos novos moldes sociais, gera um
terrível desconforto e mal estar. A homogeneidade dos povos é a vitória
das massas e do império do grande capital. Sim, diga ao Tio Sam, que ele
venceu. Após décadas investindo na propagação de sua cultura através da disseminação cinematográfica de hábitos e costumes, do alto investimento na indústria da guerra
e na construção de centenas de bases militares, distribuídas
estrategicamente sobre o globo, ele conseguiu. Agora, todas as pessoas,
sem exceção, sonham com suas big casas e com o progresso de cunho
científico e tecnológico. Comem hambúrguer e arrotam o besteirol
americano. Diga ao Tio Sam que o mundo foi reduzido em sua aldeia e que
ele atingiu o seu objetivo, que foi o de nos convencer que a vida rural,
em meio a natureza, é triste e sem sabor, que não vale a pena
investirmos na vida ecologicamente sustentável, que o projeto da
agricultura familiar foi engolida pela agroindústria. Me diga Tio Sam, o
que queres a mais, afinal, seu apetite se mostra, a cada dia, cada vez
maior e insaciável. Sorria Tio Sam, o mundo é seu!
0 comentários:
Postar um comentário