Quando me deparo com qualquer artigo, livro ou ensaio sobre filosofia, sou remetido aos porões da academia, em que me via sendo diariamente tolhido, reprimido e torturado por professores distantes do verdadeiro conceito de educação e aprendizado. Longe das muralhas acadêmicas respirei ares mais elevados, tanto no âmbito artístico, científico e filosófico quanto no sentido cultural, social e histórico. A academia pode ser comparada a um restaurante que serve comida fria, vencida e mal preparada. Sua preocupação não está em servir um alimento puro e saudável, ao contrário, a prerrogativa de sua existência se deve ao ato de contaminá-la. Por quantas vezes não me alimentei dos vômitos e restos deixados por outras pessoas. As interpretações emitidas pelos professores devem ser aceitas, engolidas e mastigadas sem a mínima dose de crítica, critério e avaliação. Por outro lado, quem ousa desafiar seus conceitos, ideias e abstrações, estará condenado a viver enclausurado e isolado num vil deserto solitário, impossibilitado de se aproximar de seu círculo íntimo, mítico e sagrado. Todos os pensadores autônomos, com perfil independente, que apresentem o menor indício de originalidade, devem ser rechaçados, excluídos e afastados, por terem ousado, pensar e criar por si mesmos, seus próprios sistemas, teoremas e postulados. No nobre círculo acadêmico não existe espaço para almas rebeldes, criativas e apaixonadas. A aquisição de títulos, currículos e rótulos depende, necessariamente, da disposição ativa do neófito em se submeter de forma passiva, omissa e covarde aos ditames emitidos pelos profissionais do ensino e do saber. Os alunos que seguirem os passos e as diretrizes impostas por seu orientador sem hesitar serão os eleitos e os escolhidos para habitarem o bem aventurado mundo acadêmico. Aos alunos que optarem por trilhar um caminho próprio resta contar com suas próprias pernas, leituras e interpretações. Por ter ousado me aproximar mais dos filósofos do que dos doutores, mestres e professores, me tornei um aluno perdido e desorientado. Incapaz de seguir os passos e caminhos por outro já trilhado tornei-me discípulo da vida. Fiel ao meu instinto e curiosidade, perambulei a esmo, por vastos corredores, que ora estavam em trevas, ora pujantemente iluminados, por escritores sombrios, esquecidos e apagados ou por figuras ilustres, reconhecidas e admiradas. As bibliotecas se tornaram minha escola e os livros meus mestres. Por vezes seguia lendo e estudando de forma metódica, analítica e organizada, por outras devorava de forma aleatória, sintética e precipitada dezenas de obras desconexas, mas todas muito bem escritas e elaboradas. Meus devaneios oníricos e literários foram consumidos, preenchidos e habitados por pessoas de vários continentes, países e estados. Não me contive ao conhecer os filósofos pré socráticos. Animadamente estendi a mão ao convite de Parmênides, Empédocles e Heráclito, Anaxágoras, Anaxímenes e Anaximandro, Tales, Pitágoras e Demócrito. Conversei por horas a fio com Sócrates, Platão e Aristóteles. No mundo das ideias encontrei várias respostas aos questionamentos de ordem metafísica e de cunho existencial. Com os filósofos pós aristotélicos descobri o valor da amizade e da postura ascética, cética, hedonista e pirrônica. Da necessidade de buscarmos o prazer com equilíbrio e moderação. Sentei-me alegremente no jardim de Epicuro e ouvi Lucrécio declamando versos em prosa, ouvi com prazer as recomendações estóicas de Sêneca e Marco Aurélio. Convivi com os filósofos Neo Platônicos, em especial Plotino, que me convidou a contemplação do Uno indizível, indivisível e inefável. Estive na França do século XVI e XVII, conversando animadamente, por horas a fio, com Montaigne, Descartes e Pascal. Na Inglaterra fui a apresentado ao empirismo inglês promovido e defendido secularmente por Francis Bacon, John Locke e David Hume. Conheci Espinoza, Leibniz e Newton. Travei intermináveis diálogos com Rousseau, Voltaire e Kant. No século XIX, enquanto vivíamos as fases tardias do romantismo, com Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu e Castro Alves o velho mundo era banhado por um conjunto de correntes políticas, econômicas, filosóficas, científicas e sociais. Fiquei hipnotizado pela escrita límpida, clara e bela, sobretudo prazerosa, de Schopenhauer e Nietzsche que podem ser considerados, por uma questão de estilo, gosto e influência, os percursores da psicanálise freudiana e das futuras pesquisas empreendidas por Carl Gustav Jung. Marx, Engels e Lenin me inspiraram revoluções no plano político, econômico e social. Bakunin, Tolstoi e Proudhon me ensinaram a questionar o Estado e a visualizar com mais clareza suas imanentes contradições. Me assustei com o liberalismo econômico proposto por Adam Smith,
Thomas Malthus e David Ricardo. Presenciei o nascimento do existencialismo na Dinamarca com Kierkegaard, da fenomenologia com Bertrand Hurssel, Max Scheler, Heidegger, Merleau Ponty e Sartre e do positivismo com Auguste Comte. Depois de ter transitado pelo círculo de Viena, me aventurei pelos campos da lógica, da filosofia da mente e da matemática na Escola de Cambridge com Russel e Wittigenstein. Na escola de Frankfurt, dei as mãos à Horkheimer, Adorno, Marcuse e Erich Fromm que me ensinaram a desconfiar tanto do capitalismo americano quanto do socialismo soviético, propondo a construção de um caminho social alternativo. Na contracultura me perdi com os escritos lisérgicos e libertários da geração beat muito bem representa por Jack Kerouac e Allen Ginsberg. Tive um surto de reflexões ao me deparar com Aldous Huxley e as Portas da Percepção assim como me extasiei com Carlos Castanedã e os índios mexicanos na sua busca pela verdade e o auto conhecimento. Foucault me trouxe, mais uma vez, ao chão da realidade através da sua obsessão por prisões, violência e loucura. Hoje trafego por ruas claras e escuras mas sempre munido do único propósito de aprender, digerir e ruminar, para poder absorver, expelir e repassar, não o conteúdo, e sim, a fonte.
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