Nestes novos tempos
virtuais, principalmente nas redes sociais, é comum nos depararmos com inúmeros
posts e comentários nascidos de um
engano ou mal-entendido gerado por um suposto erro de comunicação. Num eterno
papo de surdo e mudo as pessoas parecem ter pedido a capacidade de interpretar
um texto e ler nas entrelinhas. Poucos se dão ao trabalho de ler e refletir, digerir
e ruminar o conteúdo, deixando, desta forma, escapar o seu sentido e essência.
Como se isso não bastasse,
uma enxurrada de opiniões são lançadas e emitidas sem nenhum tipo de critério
ou avaliação, inundando a rede de uma série de conceitos e preconceitos que são
diariamente repassados e reproduzidos, de forma irrefletida e inconsequente, em
alta escala e velocidade, atingindo milhares de pessoas e lugares ao mesmo
tempo.
Uma das maiores
preocupações filosóficas de todos os tempos, permanece viva, ativa e operante,
transcendendo os corredores da história e do tempo: a busca pela verdade. A
verdade é sempre associada às questões estéticas (belo), éticas (justiça) e
morais (bem) e sua imagem, forjada por um prisma romântico e poético, pode ser
comparado a um espelho que reflete de forma clara, límpida e fidedigna, o brilho
de sua luz, cujos raios dissipam todo tipo de dúvida, angústia e
incerteza.
No período clássico da Grécia Antiga (500-338
a.C.), Platão, filósofo e matemático ateniense, discípulo de Sócrates, mestre
de Aristóteles já nos fornecia os primeiros elementos para que pudéssemos
visualizar a diferença entre o conhecimento popular (denominado senso comum,
representado pela opinião e adquirido através da experiência e vivência empírica)
do conhecimento da verdade, realizado através da busca e investigação
filosófica, mediante conceitos lógicos, matemáticos e abstratos.
Acredito que seja de
extrema valia e necessidade, para quem quiser construir um argumento lógico, o
estudo da lógica: nada mais óbvio. Se por um lado somos obrigados a admitir que
o nível das discussões ainda permanece restrito aos “ismos e achismos” de seus
interlocutores, por outro nos resta reconhecer que o espaço virtual se
transformou, para o bem ou para o mal, na ágora* moderna.
Polêmicas discussões são
alimentadas e mantidas no intuito de defender e convencer o outro do nosso
ponto de vista e opinião. Hercúleo esforço é despendido na tentativa de nos
fazermos ouvidos, entendidos e aceitos. Não por acaso os gregos reverenciavam a
peithó, a arte da persuasão, como uma
divindade. Quem detinha o dom da retórica e da oratória era aclamado e
reverenciado, o que lhe conferia prestígio, status, e claro, poder.
O debate, assim como a
discussão, além de promover e ampliar a compreensão e o entendimento, são
elementos indispensáveis na construção do conhecimento e na manutenção da
democracia. Na inútil tentativa de evitar o atrito, o conflito e a discórdia,
milhares se esquecem ou simplesmente ignoram que o raciocínio dialético nasce
justamente do embate e da tensão entre os opostos.
Porém, quantas amizades
estão sendo desfeitas e repensadas após infindáveis réplicas e tréplicas
desgastantes e desnecessárias? Uma coisa é colocar o argumento acima da
amizade, outra é abrir mão de expressar a nossa opinião. Se uma amizade se
rompe por este motivo, vale a pena repensarmos nosso conceito de amizade.
Afinal, o que queremos
quando publicamos ou postamos qualquer tipo de comentário? Na melhor das
hipóteses ampliar o horizonte da discussão, tornando pública uma reflexão
privada. Se eu digo que não penso igual a você, você tem várias opções, entre
elas, de levar para o lado pessoal ou simplesmente aceitar o fato de existirem
pessoas que pensam diferente. E pensar diferente de você é totalmente diferente
de estar contra você. Será que temos essa maturidade e compreensão?
Até que ponto conseguimos
aprofundar uma discussão apenas na esfera dos fatos e das ideias sem cairmos na
dimensão particular e pessoal? Será que vale a pena abrirmos mão daquilo que
temos de mais sagrado: o direito de expressarmos abertamente nossa opinião,
seja ela qual for, para mantermos por perto pessoas que se revoltam e se mordem
à menor contrariedade?
Ou não seria extremamente
vantajoso saber, como hoje sabemos, que existem pessoas do nosso meio que
defendem o fascismo, a homofobia e a tortura? Não seria tão ingênuo a ponto de acreditar
cegamente em tudo que leio assim como não seria tão leviano para não reconhecer
o valor do sangue derramado de meus irmãos para que eu pudesse ter o direito à
liberdade de expressão.
Enquanto isso, intermináveis
disputas são travadas aos olhares atentos e ansiosos dos doadores de like. Se nos primórdios combatíamos nas
arenas, passando pelo espetáculo dos gramados, hoje, apesar das limitações e
dificuldades encontradas pela falta de manejo, traquejo e trato com a língua,
nossos gladiadores e craques estão migrando, de forma lenta, contínua e
necessária, para o mundo das palavras e do pensamento. Grande salto qualitativo
de nossa nação.
*Ágora era o lugar em que
os gregos se reuniam para discutir e debater os seus problemas políticos e
sociais.
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