Deve ser porque não me encaixo no formato e não consigo, de boa vontade, me submeter as leis e regras impostas por qualquer autoridade, principalmente àquelas contrárias aos ditames do bom senso e da razão. Não sigo as tendências da moda, não tenho um penteado arrojado, não consigo mentir e dizer algo diferente daquilo que sinto e penso. Deve ser porque estou muito além de qualquer tipo de padrão e conceito estabelecido pelo outro. Deve ser porque corro o perigoso risco de ousar pensar por mim mesmo. Deve ser porque busco por uma novidade interna, invisível e impessoal. As vezes me sinto constrangido a mentir, para me sentir um pouco mais igual e não ser de fato, tão diferente. Não tenho as roupas da moda, nem me preocupo com o lançamento do último disco, filme ou celular. Tenho hábitos antigos e arraigados, gosto de acordar cedo e de estar no mato, comer comida simples e farta. Me sinto assim por não usar máscaras e sempre dizer o que eu penso. De não ter medo de errar, de pedir desculpas, de voltar atrás. Deve ser por que valorizo o brilho nos olhos mais do que a cifra no bolso ou no banco. Deve ser porque eu me mostro e me revelo por inteiro, sem medo de expor meus vícios, erros e defeitos. Porque não me sinto desconfortável ao permitir que outro me conheça sem reservas e restrições, com meus traumas, medos e inseguranças. Deve ser pela beleza e pela pureza presente em todo ser que se permite, se conhece e se sabe, dependente e vulnerável. Porque não sou perfeito e me atrevo a dizê-lo. Num mundo afeito a mentiras, a verdade assusta, afasta e espanta. Deve ser porque ainda conservo uma veia poética e espiritualizada, idealista e humanitária, filosófica e libertária, política e revolucionária. Porque às vezes me pego pensando mais no outro do que em mim mesmo. Deve ser porque não sei ser feliz sabendo que outro está do meu lado sofrendo. Porque vejo no outro um igual a mim. Porque amo sem pedir nada em troca. Porque amo, mesmo sabendo que não vou ser correspondido, do mesmo jeito e da mesma forma. Deve ser porque ainda tenho um certo respeito e honestidade intelectual, para investigar a fundo o porquê de certas coisas e causas. Dever ser porque sou febril, profundo e intenso, por que sou inteiro e não sei ser pela metade, ou sou tudo, ou sou nada, não acredito em meio termo, muito menos no amor. Deve ser pela facilidade que tenho em me despir dos meus achismos, ismos e opiniões e buscar, dentro das minhas limitações, o novo. Por mais que seja teimoso e fechado a certas coisas, ainda sim, sei da necessidade que tenho de buscar e aceitar a mudança, sempre. Deve ser porque me movo e me alimento do que realmente me importa e me faz feliz. No fundo, me sinto bem do jeito que sou. Não tenho nada para mal dizer, blasfemar ou agourar, estou em paz comigo, agora, neste momento. Mesmo diante de tantas tribulações, ainda encontro tempo para agradecer e honrar o nome do Senhor no silêncio do meu quarto e do meu coração.